sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Pegadinha

Já era final de tarde quando tocou a campainha. A recepcionista atendeu e mal teve tempo de perguntar no que poderia ajudar, quando foi empurrada por aquele homem indignado e que esbravejava pela sala.
Ele queria falar com nosso diretor, a qualquer custo, desfiando um rosário de impropérios, em alto e bom som, fazendo com que os outros funcionários saíssem de suas salas, buscando explicação para tamanho furdunço.
Dizia-se injustiçado pela cobrança indevida de juros, multas e outras taxas sobre débitos de condomínio tendo, inclusive, que suportar custas processuais em suposta ação judicial de cobrança no Fórum local.
Por mais que a recepcionista tentasse acalmá-lo, o homem urrava o nome de nosso diretor e advogado da causa condominial.
Fui convocada, pela maioria de meus colegas e por minha fama de conciliadora, a falar com o condômino enfurecido.
Explicava-lhe a razão da ação e que se tratava de seguimento da cobrança, por força de contrato como prestadores de serviço e assessoria jurídica aos Condomínios, nossos clientes. Salientei que tudo poderia ser resolvido com calma, bastando ele me acompanhar até minha sala, onde poderíamos falar a respeito e verificar a possibilidade de acordo de parcelamento ou, até, quitação dos débitos, de forma amigável e discernida. Mas, ele estava transtornado, a ponto de não compreender uma palavra sequer daquilo que eu falava. Empurrou-me a fim de entrar pelos corredores e alcançar a sala de nosso diretor. Eu pedia-lhe calma e avisei que poderíamos chamar reforço policial, caso ele insistisse naquela atitude. O homem não ouvia nada, nem ninguém. Foi entrando, rompendo barreiras humanas. A recepcionista chorava juntamente com a estagiária, impotentes diante de tão deprimente quadro.
Nosso jardineiro, que plantava novas mudas em nosso jardim, vendo a situação pela janela, veio em nosso socorro, com uma enorme tesoura de poda nas mãos, investia contra o pseudodevedor irado. Tivemos de segurar suas mãos para que ele não cometesse este ato de violência que só pioraria a situação.
A legião de funcionários seguia o homem que, aos brados, finalmente entrou na sala de nosso diretor. Óbvio que, nesta altura da contenda, o advogado se colocou em posição defensiva e partiu para briga. Vendo que iria tomar uns belos sopapos o homem estancou, pálido, feito cera. E nós, ao mesmo que ríamos, tentávamos falar que tudo não passara de uma “pegadinha”, estas brincadeiras feitas por atores contratados.
Nesta época, minha irmã era casada com o advogado e diretor da empresa em que trabalho e, brincalhona de plantão, resolveu aprontar com o marido, pregando-lhe esta brincadeira, em comemoração ao seu aniversário. Eu já sabia de tudo e participei da encenação. Mas, confesso, foi um sufoco. Controlar a ira de nosso diretor quando se viu acuado e ameaçado por aquele homem furioso.Depois de muitas risadas, tapinhas nas costas e pedidos de desculpas, cantamos a tradicional canção do “Parabéns a você” e degustamos um delicioso pedaço de bolo.

domingo, 16 de agosto de 2009

As pérolas

O gosto do “seu” Odílio e de dona Cândida num encontro com familiares ou amigos era apresentar, cheios de orgulho, as pérolas da família.
Hoje, quando alguém se refere a perolas querem dizer sobre algum absurdo da linguagem ou sobre imagens esdrúxulas que os meios de comunicação mostram. Mas, antigamente, não. Quando alguém se referisse ou quisesse mostrar suas pérolas era, exatamente, mostrar seus valores.
Assim, Seu Odílio e Dona Cândida orgulhavam-se de sempre mostrar sua riqueza familiar... Suas netas, Sara e Sofia. Em primeiro lugar porque elas eram gêmeas o que, naquela época, nos idos de 1950, era novidade surgida na família e, em segundo lugar, pelos talentos que as meninas tinham. Seus pendores artísticos encantavam a todos.
Sofia tocava violino e Sara dançava. Ambas tinham um amor imenso pela música, mas, somente Sofia encantou-se pelo instrumento, depois de um sarau em casa de parentes, nas festas natalinas.
Seu Odílio tocava clarinete muito bem e, junto com seu irmão que tocava violino, eram sempre convidados a animar as festas pelas redondezas, acompanhados de mais dois colegas, no violão e na sanfona.
Foi amor à primeira vista, de Sofia pelo violino, o instrumento que achou bem engraçado, no início, pois parecia com o corpo de suas bonecas e ainda tinha de ser roçado por aquela vara comprida para emitir som. Mas, depois, passou a ser seu sonho de consumo e desejo maior em aprender a tocá-lo. Incentivada por seu avô Odílio, passou a tomar aulas com o tio violinista e, rápido, aprendeu a dominar o instrumento, surpreendendo a todos.
No Natal de 1950, além da música que animava a festa, apresentou-se, também, a Cidinha, uma parenta distante que havia retornado de viagem da França, onde tinha ido estudar, levada por um de seus tios, marinheiro de um transatlântico, ao ficar órfã. Ele a deixou em Paris, aos cuidados de uma de suas inúmeras amantes e esta cuidou da menina com tanto zelo e amor como se fosse sua mãe e a encaminhou para aulas de balet. Passados muitos anos, ao visitarem os familiares brasileiros, foram convidados a participarem das festividades e a menina Cidinha pode mostrar o que havia aprendido na Europa.
Sara se encantou. Não tirava os olhos da bailarina um minuto sequer. Nunca tinha visto algo tão belo. Passou a sonhar com a cena vista. Imaginava-se dançando como Cidinha. Obstinou-se em aprender, mesmo que sozinha, os passos complicados da dança. Para seu orgulhoso avô foi um desafio. Ensinar a tocar clarinete seria fácil para ele. Violino, violão ou sanfona, também seria fácil ensinar, com a ajuda de seu irmão e demais companheiros do grupo. Mas, o balet, como poderia oferecer isto à neta, visto que, naquela época, era muito mais difícil encaminhar as meninas para as escolas especializadas que cobravam altos preços por suas aulas. Só mesmo as famílias com grandes posses poderiam dar esta cultura para suas filhas ou netas.
Limitado em seus recursos, Seu Odílio passou a levar a neta aos espetáculos onde se apresentavam as bailarinas e a menina, atenta a tudo, logo aprendeu vários passos e, até, desenvolveu coreografias próprias. Apresentava, cheia de orgulho, o aprendizado ao avô querido que, junto com Dona Cândida, se encantavam a cada demonstração.
Assim, nos encontros familiares e festividades locais, satisfeitos e orgulhosos, mostravam suas pérolas para todos.
As meninas eram sempre muito aplaudidas e requisitadas para animar as tardes de domingo, em casa de familiares e amigos, nos deliciosos encontros para o chá.


terça-feira, 11 de agosto de 2009

Férias prolongadas



Gargalhadas gerais pela casa. Sobe e desce escadas. Correria, mil brincadeiras e sem horário para nada.
Entendo que brincar é preciso, bagunçar é preciso, mas, haja pique para tudo isto. Ao menos para mim, pobre avó que, além de trabalhar o dia todo na empresa, tem de suportar a dupla jornada em casa e a tripla jornada das férias escolares desta turminha da pesada que é o meu “Clube da Luluzinha”.
Férias escolares, prolongadas pelo surto de gripe suína...Oh, Deus! Sempre que começam as férias escolares, termina o sossego de pais e avós. Mas, digo isso no bom sentido, pois é sempre bom ter a criançada por perto, nos contagiando com sua alegria incessante.
Com a chuva intermitente em pleno mês de Julho que não nos dava trégua, o jeito foi improvisar. Zilhões de jogos pela Internet que elas mesmas estipularam critérios, cronometrados, para uso do computador, centenas de DVDs com filmes e desenhos super divertidos, festas de aniversários e batizados das bonecas, caça ao tesouro, bailes à fantasia, festa do pijama, do chapéu, jantares exóticos recheados de hambúrgueres, salsichas e batatas fritas, regados a muito refrigerante e sucos, toneladas de pipocas, bolos e bolinhos de chuva, quilolitros de chocolate quente, além dos insubstituíveis “miojos” e afins. Ninguém poderá imaginar. Ou, poderão...Sei lá!
Depois de um dia intenso de trabalho, após passar por um trânsito insuportável, com o céu desabando sobre a cidade, tudo o que se quer é chegar em casa, tomar um banho e se esborrachar no sofá sem querer saber se o mundo vai acabar ou não. Doce ilusão. Eu tinha de colocar meu pijama, ou inventar um chapéu diferente para a tal festa, ou mesmo improvisar uma fantasia. Outras noites eu tinha de me vestir de convidada para a festa de aniversário das bonecas, não sem antes quase surtar diante dos utensílios da cozinha, besuntados de gelatina ou de brigadeiro e recolher algumas poucas centenas de peças de roupas e sapatos que ficavam “discretamente” abandonados pelos cantos da casa.
Em algumas noites tirei folga e deleguei ao tio a responsabilidade de levá-las ao cinema, afinal, ninguém é de ferro.
O socorro foi maior quando a tia avó as levou para ficar uns dias em sua casa. Eu nem quis saber sobre o cardápio e a agenda de atividades.
Não sei se teria sido melhor tê-las inscrito em algum acampamento ou resorts infantis, pois o saldo financeiro geral, ao final, foi desalentador:
Bem, é óbvio que exagerei sobre os fatos expostos e que foi uma tristeza enorme o momento da despedida, pois sei que só no final do ano as terei comigo, assim tão pertinho, nas próximas férias escolares.
Avós sofrem, viu!
Muita paz! Beijossssssss

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Liquidação

Eu não sigo a moda. A moda se quiser que me siga. Mas, como boa representante do sexo que enlouquece em tempo de liquidação, confesso que já fiz algumas loucuras. Nem sofro por dizer que já torci para que a vizinha de provador desistisse do vestido lindérrimo que acabei comprando por uma bagatela. Ficou meio apertado, mas, se eu perdesse alguns quilinhos, arriscaria em usá-lo, mesmo com o problema da cor que, até hoje, nunca soube dizer qual era, entre o azul desbotado, meio esverdeado, amarelado... Sei lá. Ficou por meses pendurado no armário com etiqueta e tudo. Felizmente, acabei doando para nosso bazar beneficente que tirou o peso de minha consciência.
Já que comecei, continuo. Confesso. Já tive um terrível caso de amor com um sobretudo de lã (nem me perguntem a cor) e nem me importei por ele ser dois números maiores que o meu e ser insuportavelmente pesado, a ponto de causar cansaço nos ombros. Mesmo parecendo um militar de patente, desfilava orgulhosa com meu casaco caríssimo, comprado por pechincha em liquidação.
Certa vez, cismei com um par de sapatos de cetim e laço em cima, cor de rosa. Usei no mesmo dia, em uma festa e eu me sentia o máximo com eles, mesmo amargando a dor nos pés, pois eles eram duros demais. Não sei se pela cola do tecido ou pelo tamanho do salto. Guardei-os na caixa para sempre e levei 4 semanas para sarar das bolhas adquiridas.
Outro dia minha amiga me convidou para irmos a uma “sale” (nome sofisticado para uma queima de estoque) numa famosa loja de grife. Imaginei que seria interessante, pois, jamais pensei que a mulherada mais chique também atacasse em liquidações. Imaginem centenas de mulheres, disputando a tapas, bolsas, calças jeans e outras peças, arrancadas das araras, como se fossem os meios de subsistência mais importantes de suas vidas?! Saí correndo de lá. Mesmo porque, meu cacife e meu gosto não combinavam com as peças disponíveis.
Liquidação é algo muito sério. Qualquer mulher sabe que, no meio da loucura de uma “sale”, precisa-se agir rápido, antes que adversárias descubram aquele casaco de pele chiquérrimo que nos será muito útil caso sejamos convidadas para uma festa de gala no ducado da Normandia.
Comum sermos contaminadas pelo vírus da promoção e comprar roupas e acessórios que não tem nada a ver com nosso estilo. Portanto, é perfeitamente compreensível que a mais recatada senhora, diante de um vestido vermelho, justo e decotado, sinta que talvez seja a hora de arriscar uma mudança radical e se transformar numa perua sexy.
Putz...50% off (apelido para a velha liquidação), as vezes acabamos exagerando. Minha irmã, a Claudinha, já chegou a comprar seis pares de sapatos idênticos, mas de cores variadas, porque estavam bem baratinhos! Liquidação a tira do sério.
Aliás, liquidações podem nos tirar do sério, dos limites do bom senso e do cheque especial. Basta passar pelo caixa, sair da loja com as mãos cheias de sacolas, para acabar a excitação e sairmos do transe. Bate o remorso e nossa mente passa a imaginar quais os planos que adotaremos para esconder do marido aquele monte de quinquilharias e de que forma usaremos o que foi comprado, uma peça por vez sem que ele desconfie, como se a conta do cartão de crédito não denunciasse.
Bem, a verdade é que não tenho paciência para esperar um provador vazio e acabo desistindo da compra ou levando algo sem experimentar.
Melhor mesmo é sair às compras antes das lojas anunciarem liquidações e comprar somente o que estivermos precisando. Nada como ter no armário um “pretinho básico”, uma boa camisa branca, uma calça de corte tradicional e impecável e um par de sapatos ou sandálias de tirar o fôlego. Mesmo que na semana seguinte esteja tudo pela metade do preço. Ainda assim é o melhor a fazer, em nome da economia e do bom senso.